07/05/2014 Estudante e trabalhador: qual educação?

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Há muita burocracia, desinformação e até mesmo desconhecimento escolar e empresarial que dificultam a aproximação entre a escola e o trabalho.

José Carlos Peliano (*)
Os filhos vão à escola para terem pelo menos mais educação que os pais até o grau que conseguirem ou para terem condições de alcançarem empregos ou trabalhos melhores em que empresas ou setores de atividade eles acharem. Em síntese, é mais ou menos essa a tradição das famílias em qualquer lugar.
A decisão de uma família rica nessa situação evidentemente não é a mesma de uma família pobre, ainda mais se esta terá condições de enviar um filho à escola ao invés de mantê-lo trabalhando para ajudar na renda familiar.
O programa Bolsa Família chegou há anos no país para ajudar esse dilema da família pobre ao garantir-lhe um rendimento básico para que o filho ou filhos permaneçam na escola obtendo educação necessária para que as qualificações e rendimentos futuros sejam compatíveis.
Pelo menos do lado da renda os resultados têm sido positivos e até mesmo surpreendentes. Na última década e já entrando nos três primeiros anos da década atual a distribuição pessoal da renda melhorou como nunca antes em qualquer período da história do Brasil. Os maiores beneficiários foram exatamente os mais pobres, aqueles que ganham de 1 e até 2 salários mínimos.
O mesmo não acontece tão marcadamente para a distribuição da renda familiar. Mesmo sabendo que as rendas familiares são mais concentradas que as rendas pessoais porque as famílias pobres têm de dispor das rendas do trabalho da maioria de seus membros, enquanto nas famílias ricas isto em geral não se dá, pois os ganhos dos pais são enormemente superiores aos dos pais pobres, permitindo-os dispensarem as rendas dos trabalhos dos filhos, o fato é que a desigualdade de rendas igualmente diminui entre todas as famílias. Os mais pobres conseguem rendas melhores. E a tendência da desigualdade é decrescente.
Já no caso da educação a situação não é tão clara. De fato, o nível geral da educação tem sido superior nos dias de hoje em comparação aos anos passados de forma gradativa e progressiva. Seja pelo aumento do número de escolas, as facilidades para manter os alunos mais necessitados nas escolas, o engajamento dos professores, aqui e ali uma melhoria discreta dos salários dos professores, entre outros fatores. No entanto, ainda se observa desistências nos cursos, substituição da escola pelo trabalho, repetência e não entrada nas escolas.
A situação educacional fica mais turva quando se avalia os currículos escolares tendo em conta aqueles que vão permanecer estudando nos graus acima e aqueles que sairão mais cedo ou mais tarde para ingressarem no mercado de trabalho. Como o programa oficial de matérias é o mesmo pelo menos um dos grupos fica prejudicado.
Não dá para entrar nessa discussão a fundo infelizmente porque o espaço aqui é curto. Mas a menção da carga escolar ministrada a alunos que vão ficar na escola e os que vão sair é importante porque enfatiza a distinção entre educar para o conhecimento e educar para o trabalho. Ou não deveria ser a mesma coisa: educar para o conhecimento e o trabalho?
Fora os estudantes que passam pelas escolas técnicas e profissionais, os quais obtém conteúdos em matérias direcionadas para o mundo do trabalho seja em que setores de atividades for, os demais que dependem única e exclusivamente do ensino regular e formal, esses saem das escolas com um acervo de conhecimentos que na maioria das vezes não vale para os empregos oferecidos pelas empresas ou para os trabalhos autônomos disponíveis no mercado. Eles têm de se virar para se adaptar à vida fora da escola.
Essa situação não é nova como também os debates e propostas para sua superação. A manutenção dessa situação, no entanto, permanece sendo prejudicial para os estudantes, para as famílias e para o país. Todos em conjunto perdem em tempo e dinheiro para manter uma educação que pode trazer conhecimento, mas que esbarra na dificuldade de obtenção de um emprego razoável, de uma adequada vaga de trabalho e na satisfação e autoestima do estudante.
Hoje em dia são mais visíveis que outrora os casos de estudantes mal enquadrados no mercado de trabalho, estudantes que ocupam posições ocupacionais diversas daquelas para as quais foram preparados, estudantes que voltam à escola para obter outro aperfeiçoamento ou uma outra formação e até mesmo estudantes que permanecem no trabalho mesmo a contragosto, mas acabam aos trancos e barrancos descobrindo uma oportunidade de ampliar e melhorar suas aptidões profissionais.
Há casos ainda daqueles que passam boa parte de sua vida pulando de galho em galho sem saber com certeza onde melhor podem aplicar suas formações, seus conhecimentos, suas aptidões e habilidades. Podem até ganhar bem, mas estão insatisfeitos com sua qualificação para o trabalho.
Por fim, casos existem em que trabalhadores pouco ou não frequentadores da escola acabam por mostrar no mundo do trabalho bom desempenho, aptidão e habilidade profissional. Empresas aproveitam bem desses trabalhadores extraindo deles seus conhecimentos tácitos obtidos em conexão com os equipamentos, máquinas e linhas de produção das fábricas.
O fato é que boa dose dessa discrepância entre a educação formal e a profissional, entre o mundo do conhecimento e o mundo do trabalho, entre o que pensam os educadores e o que querem as empresas, faz parte das próprias contradições geradas no processo de expansão capitalista. Essas contradições acabam ao fim e ao cabo sendo favoráveis ao capital e prejudiciais ou nem tão favoráveis ao trabalho.
Agora boa dose dessa discrepância pode ainda ser debatida e equacionada para regular melhor o conhecimento e o trabalho, reduzindo o fosso entre ambos. Há muita burocracia, desinformação e até mesmo desconhecimento escolar e empresarial que dificultam a aproximação entre a escola e o trabalho. Os sindicatos e associações profissionais têm muito a dizer e colaborar para ajudar na melhor adequação da escola com o trabalho. O benefício final é do trabalhador, da família e do país.

Fonte: CARTA MAIOR
(*) Economista